A física por trás da Windshear

Dentre todas as variáveis que encontramos no voo a que mais me intriga é a meteorologia. Com a evolução nos sistemas das aeronaves, gradativamente estamos cada vez mais seguros do ponto de vista material. A meteorologia, no entanto, continua sendo um desafio tanto para pilotos de aeronaves pequenas, quanto para pilotos em aeronaves grandes.

Hoje gostaria de falar sobre Windshear. De acordo com o DOC 9817 da ICAO, windshear é definido como uma mudança repentina da velocidade e / ou direção do vento. Tal mudança se torna mais crítica a depender da fase do voo. Neste artigo vou discorrer sobre dois pontos principais

  1. A consequência desta variação de velocidade e direção na física do voo e,
  2. A psicologia descrita por Robert Buck, para o voo em condições meteorológicas adversas.

A consequência desta variação de velocidade e direção na física do voo

De acordo com a publicação “UK AIC 056/2010” que discorre sobre os efeitos de tempestades no voo, a melhor saída para uma condição de windshear é evita-la a todo custo. Para evitar esta condição o piloto dispõe de alguns meios a depender da aeronave e da operação.

Um piloto de uma aeronave monomotora que está voando na FIR, pode atentar-se a variações significativas da direção de vento ao observar o efeito de fumaça se movimentando em diferentes direções em diferentes níveis. Essa constatação, conforme previsto no DOC 9817 da ICAO, é realizada de maneira visual, sem auxílio de nenhum instrumento.

A indústria aeronáutica não pode confiar cegamente em percepções visuais a fim de garantir a segurança operacional. É por este motivo que as fabricantes de grandes aeronaves desenvolveram sistemas de detecção e alerta em condições de windshear. Ao ouvir o alerta sonoro de windshear, é esperado que o piloto cumpra a manobra prevista no manual que em breve descreveremos.

Os efeitos mais significativos de windshear ocorrem em altitudes baixas, geralmente inferiores a 1600ft. A resposta da aeronave durante uma situação de windshear, é extremamente complexa e depende de muitos fatores, incluindo o tipo de aeronave, a fase do voo, tamanho da aeronave e a intensidade e a duração da windshear encontrada.

De acordo com o apêndice 3 do DOC 9817 da ICAO o fluxo de ar que afeta a operação da aeronave é dividido em “turbulência” e “windshear”. Uma aeronave num fluxo turbulento apresenta movimento irregular, aparentemente aleatório, enquanto mantem um relativo flight path constante. Windshear, no entanto, altera significativamente a força de sustentação (Lift) resultando numa variação da velocidade vertical (subida ou descida).

Considerando a variação de velocidade do vento em uma direção, a velocidade do vento pode ser definida pela fórmula:

W = iu + jv + kw

onde i, j, k são vetores e u, v, w são os componentes do vento. Por tanto, a resultante de velocidade do vento é uma composição vetorial, das resultantes individuais da variação do vento nos planos lateral, vertical e longitudinal.

Como sabemos, a fórmula da sustentação é dada pela seguinte equação:

Desde os tempos do nosso curso de PP aprendemos que a Velocidade Aerodinâmica não varia com o vento. Tal afirmação tem validade apenas para condições de vento constante ou com variação de direção e velocidade não muito significativas, uma vez que a aeronave tenderá a retornar a previa condição de trimagem.

Não obstante, se o vento não for constante ou variar muito rapidamente, a aeronave não poderá instantaneamente retornar à velocidade em que voava previamente (na condição trimada) e por um curto período de tempo, a velocidade da aeronave mudará conforme a velocidade do vento.

Essa variação de aceleração gera uma força, conforme a segunda lei de Newton: F = Massa x Aceleração. Logo, a aeronave irá acelerar na direção da força gerada, até que se obtenha um novo equilíbrio de forças.

Como consequência, a aeronave agora está voando em uma trajetória diferente da comandada pelo piloto e a tendência é que continue nesta trajetória, por inércia, a não ser que uma nova força seja aplicada. A intervenção do piloto nessa hora garante que a aeronave modifique a sua trajetória descendente.

Ao passar por um downdraft, momentaneamente, o ângulo de ataque da aeronave reduzirá significativamente. Por esta razão, o Cl dimuniurá, reduzindo ainda mais a sustentação

Acontece que a variação do vento é mais rápida do que a mudança do flight path ou da velocidade de solo da aeronave (VS). Por este motivo, conforme demonstrado pelo Dr. T T Fujita, no livro “The Downburst”, a perda de sustentação durante o windshear se dá principalmente devido a redução do ângulo de ataque e não somente da velocidade.

Sem adentrar muito especificamente nos pormenores operacionais de cada fabricante, gostaria de comentar sobre um questionamento muito comum entre os pilotos: Por que devemos manter a configuração da aeronave durante a manobra de windshear?

De acordo com o DOC 9817 da ICAO, os pilotos devem manter a configuração da aeronave até atingir altitude de segurança para livrar obstáculos. Embora um pequeno aumento de performance seja atingido ao recolher o trem de pouso, uma degradação inicial da performance acontece quando as portas do trem de pouso precisam ser abertas para a retração (aumento do arrasto).

O fato de mantermos os flaps na configuração atual também é bastante plausível. Considerando as duas seguintes situações:

  • O piloto tenta recolher os flaps: nessa condição a performance ficará comprometida, uma vez que, uma redução da área da asa e da curvatura do aerofólio reduzirá a sustentação. Como este é o movimento natural que o piloto faria no caso de uma arremetida, é preferível manter a configuração do que correr o risco de acidentalmente recolher os flaps.
  • O piloto tenta estender os flaps após o trem de pouso ter sido recolhido: Embora “aparentemente” benéfico, esta condição poderá acionar alarmes de configuração a depender do tipo de aeronave. Se o flap selecionado estiver no range de flaps para pouso, um alarme de configuração irá soar, o que é completamente prejudicial, considerando o elevado workload.

A psicologia descrita por Robert Buck, para o voo em condições meteorológicas adversas.

A tripulação passou o IAF na rampa, última etapa do dia, operação tranquila. Quando ingressa na aproximação final, lá está, pintada das mais assustadoras cores o radar meteorológico.  A primeira reação é de inquietude, logo acompanhada de um sentimento de que “vai dar”.

Porém a aeronave na frente arremete e a situação que era vermelha, começa a ficar magenta.

GO AROUND WINDSHEAR AHEAD

A tripulação é treinada e deve estar preparada para executar o procedimento (not type specific):

  • Auto Pilot OFF
  • TO/GA
  • Maximum Thrust
  • Auto Throttle OFF
  • Pitch 15

Essa manobra reflete a execução de uma manobra e filosofia operacional consolidade internamente. De acordo com Robert Buck, no seu excelente livro “Weather Flying”, voar em condições meteorológicas adversas requer um forte controle emocional. Voar em tempestades nos faz solitários e por vezes pensamos se realmente o mundo lá embaixo segue tranquilo.

O comando da aeronave se deteriora quando nos tornamos torcedores com frases como “provavelmente vai melhorar” ou “chegando lá a gente vê”. Pensamento racional e preparo antecipado são chaves para uma boa tomada de decisão.

Um dos primeiros estudos sobre o processo mental de tomada de decisão aeronáutica foi desenvolvido por Jensen & Benel em 1977. De acordo com os autores, o processo decisório engloba 2 aspectos relevantes.

  • A percepção: este é o processo mais simples. A tripulação decide de acordo com o que os seus sentidos podem alcançar. Este processo decisório engloba percepções sobre a meteorologia, o terreno e geralmente é um processo naturalista. Geralmente esse processo ocorre de forma técnica.
  • Julgamento cognitivo: Este processo é relativamente mais complexo. Durante essa decisão o piloto leva em conta as informações obtidas para tomar uma decisão mais célere, como por exemplo arremeter ou pousar. Esse processo decisório leva em conta não só aspectos operacionais, mas também aspectos pessoais, emoções e pressões sociais.

A aderência aos procedimentos operacionais garante, dentre outras coisas, a minimização da interferência emocional nos processos decisórios. A objetividade e a clara comunicação representam as ferramentas mais positivas na boa tomada de decisão.

No mesmo DOC da ICAO previamente citado temos um fluxograma interessante sobre o processo decisório que devemos adotar em situações de meteorologia adversa.

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